''Peço que abaixe a voz ego, que o meu verdadeiro eu está presente. Vão me contar o que está havendo? - perguntei. Uma parte de mim suspirou e sentou-se na cadeira. A outra, intolerante, lançou-me um olhar recriminador, como se tivesse descoberto um terrível segredo sobre mim. O ponteiro do relógio estava numa encruzilhada e, ainda indeciso, fez opção pela meia noite. Quando pensei que finalmente chegariam a um propósito para abrandarem meu destino diante das minhas causas perdidas, as duas partes de mim se envolveram num duelo final de tragédia litúrgica sem limites.Começo a pensar que a humanidade veio do ''cachorro''. Late o tempo todo. Fui derrubada em meio a uma briga, e mesmo tendo respeitado as nádegas alheias não me imunizaram. Me conforta saber que valho ao menos uma surra. Senti um certo alívio de saber que a emoção sempre arranja um rodapé para constar que não somos feitos só de razão. É o que eu digo. Se gastássemos mais tempo lapidando nossas próprias motivações, economizaríamos na expedição de autos safirentos de insegurança, que não cumprem outra finalidade, exceto a de depor contra a nossa própria condição. A discussão foi boa, mas, as duas metades de mim, não tendo achado um ponto de equilíbrio, ficaram descobertas. E eu, indecisa, fui checar se minha voz estava com todas as cordas, temendo ficar afônica de tanto apaziguar os meus ânimos sobressaltados. As maiores lutas acontecem dentro de nós mesmos. E quando se fala em batalhas de ego, me questiono se há vencedores ali. Algumas tentativas não passam de meros esperneios, para que possamos obter o consentimento da consciência e obrigá-la a aceitar nossas imperfeições - é a base da psicologia infantil. Não alcançamos a maturidade. E, no entanto, como não aceitamos nossas próprias limitações, tudo se perde, até o respeito. É uma triste constatação: mas como ver o outro a partir dele mesmo se não há outra imagem no espelho que não a nossa? Todos nós temos zonas obscuras de nossa personalidade que não podem ser penetradas. Essa sensação de incompletude que carregamos é extremamente perigosa. Falta-nos discernimento para compreender que não cabe ao outro a tarefa de completar aquilo que nos falta. Ninguém pode ser compelido a viver de acordo com nossas expectativas. Há que se ter cuidado para não cair nas armadilhas do superficialismo. O ego é o assombro da personalidade. Geralmente ele anda por aí com um sorriso oleoso para que não percebamos o quanto transborda de gozo quando consegue sufocar nossa essência. Que eu seja forte o bastante para admitir que diante de mim eu permaneço fraca. Que eu tenha coragem o bastante para me livrar de todos os excessos até minha dor de existir se esvaziar. Procuro desesperadamente por mim. E não vou parar até que eu me encontre.''
Pipa
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